A verdade, para o filósofo Nietzsche

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX. Para ele, a verdade é uma ilusão. É uma enganação que tomamos como valor de verdade e serve para manter nossos corpos adestrados, já que ela é aquilo que trava nossas ações, que pontua nossos julgamentos e que define o que vale a pena ser levado à sério. A verdade é, também, aquilo que parte dos “fortes”, é fruto de sua vontade de potência, ou seja, de seu impulso em exercer poder, em viver, em agir sem a sujeição às regras morais. Ou seja, a verdade é uma imposição daqueles que exercem poder. 

O autor diz, no ensaio “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral“, que a verdade é aquilo que nasce para evitar a tese Hobbesiana da convivência humana no estado natural (a guerra de todos contra todos). Isso é manifestado das seguintes maneiras:

1) Verdade como linguagem: “é descoberta uma designação uniformemente válida e obrigatória das coisas, e a legislação da linguagem dá também as primeiras leis da verdade: pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira”. 

Mentiroso é aquele que utiliza as palavras para dizer que a realidade é aquilo que ela não é. Por exemplo, ele afirma “‘sou rico’, quando para seu estado seria precisamente ‘pobre’ a designação correta. Ele faz mau uso das firmes convenções por meio de trocas arbitrárias ou mesmo inversões dos nomes. Se ele o faz de maneira egoísta e de resto prejudicial, a sociedade não confiará mais nele e com isso o excluirá de si”. 

A ilusão, diz Nietzsche, não é um grande problema para o ser humano comum, mas sim os efeitos negativos que ela pode oferecer (entenda “ilusão” como aquilo que se passa por verdade, ou seja, neste caso, a linguagem). O mesmo vale para a verdade: ela é desejada quando suas consequências são agradáveis (ou seja, a linguagem é aceita sem problemas quando significa uma vantagem de definição para o sujeito, quando define o sujeito como algo bom). 

2) Verdade como negação da vivência primitiva: a linguagem é composta por palavras, que são figurações de estímulos nervoso, segundo o pensador alemão. Estes estímulos são traduzidos em imagens (as palavras) que são classificadas arbitrariamente em gêneros diferentes (masculino, feminino e etc). O nascimento da palavra, da imagem, é a primeira metáfora, a imagem é, depois, “modelada em um som”, e aqui acontece a segunda metáfora na produção da linguagem. 

Após este processo de transformação em metáfora, a palavra se agarra em um conceito. O conceito é a negação da individualidade primitiva. Ele deve ser aplicado a “um sem-número de casos, mais ou menos semelhantes, isto é, tomado rigorosamente, nunca iguais, portanto, a casos claramente desiguais”. Ele ainda afirma que “todo conceito nasce por igualação do não-igual”, ou seja, o conceito pretende ser o universal que dá “molde” para aquilo que ele conceitua. 

“A desconsideração do individual [ou seja, da vida primitiva] e do efetivo [ou seja, da realidade] nos dá o conceito, assim como nos dá também a forma, enquanto que a natureza não conhece formas nem conceitos, portanto também não conhece espécies, mas somente um X, para nós inacessível e indefinível”, conclui o autor. 

3) Verdade como ilusão massificante: “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas, e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”. Será que podemos incluir Deus e a religião nesta observação? 

O sujeito esquece que a linguagem é somente uma fabricação e passa a ser verdadeiro em oposição ao mentiroso, rejeitado pela sociedade. Passa a se considerar racional por basear sua vida nestas abstrações e não consegue mais viver sob o regime das intuições, da individualidade, da não-sujeição ao conceito. Tudo que percebe, ele conceitua. “Enquanto cada metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por isso, sabe escapar a toda rubricação, o grande edifício dos conceitos ostenta a regularidade rígida de um columbário romano e respira na lógica aquele rigor e frieza, que são da própria matemática”.

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