Todos os seres humanos são "filósofos"

O filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), há cerca de um século atrás, já nos alertava para a necessidade de se combater o preconceito de que a Filosofia é uma atividade intelectual muito difícil, restrita a uma minoria de inteligência supostamente privilegiada. Para ele, “todos os seres humanos são filósofos”, pois, de algum modo, todas as pessoas, sem distinção, lidam, convivem, trabalham com a Filosofia e a utilizam no seu dia a dia, mesmo que não se apercebam disso. Afinal, a Filosofia está presente “na linguagem, no senso comum, no bom senso, na religião” enfim, “em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ser e agir” que caracteriza o que convencionalmente se denomina de “folclore” e do qual todos participam.

A Filosofia está presente na linguagem porque esta não é pura e simplesmente um amontoado de “palavras gramaticalmente vazias de conteúdo”. Ao contrário, ela é um “conjunto de noções e conceitos determinados”, muitos dos quais derivados da Filosofia, como as frases a seguir, extraídas de expressões da linguagem cotidiana:
“O essencial é invisível aos olhos.”
“As aparências enganam.”
“É preferível a democracia à ditadura.”
“A felicidade não se compra.”
“A liberdade exige responsabilidade.”
“O amor é lindo.”

Portanto, a Filosofia está presente na linguagem que utilizamos, mesmo que não tenhamos consciência disso. Daí por que, para Gramsci: “Linguagem significa também cultura e filosofia (ainda que no nível do senso comum)”.

O senso comum é o conjunto de valores, crenças, opiniões, preferências, que constitui a nossa visão de mundo e que orienta nossas ações e escolhas cotidianas. Em geral é assimilado acriticamente, sem qualquer questionamento. A exemplo do que acontece com a linguagem, muitos desses valores e crenças têm origem na Filosofia, mas nós os assimilamos espontaneamente, sem nos darmos conta de sua origem. Simplesmente pensamos e vivemos de uma determinada maneira, acreditamos em certos grupos de valores, defendemos alguma posição política, ideológica ou religiosa, e assim por diante, sem, no entanto, nos preocuparmos em fundamentar nossas opiniões. Ao contrário, contentamo-nos com argumentos superficiais, muitas vezes até inconsistentes ou contraditórios.

O “bom senso”, por sua vez, “é algo que se contrapõe ao senso comum”, e, nesse sentido, “coincide com a filosofia”. Enquanto o senso comum é acrítico, espontâneo, irrefletido, o bom senso implica refletir, tomar consciência de que os acontecimentos possuem uma dimensão racional, a fim de se obter uma orientação consciente para a ação, evitando se deixar levar por “impulsos instintivos violentos”.

Esse “bom senso” é o que Gramsci chamou de “núcleo sadio do senso comum”. Ou seja, mesmo no nível do senso comum é possível refletir, pensar de maneira crítica sobre a realidade, tomar consciência dela e agir de modo coerente com essa consciência. E isso, de certo modo, já é “filosofar”, pelo menos um filosofar a nível do senso comum. De fato, não é raro vermos pessoas simples, às vezes com pouca ou nenhuma escolaridade, que revelam um entendimento aguçado e bem elaborado da realidade em que vivem.

Finalmente a Filosofia está presente na religião porque também na experiência religiosa nos deparamos com questões e conceitos (Deus, alma, morte, etc.) que foram e continuam sendo objeto de reflexão e elaboração dos filósofos.

Portanto, se a Filosofia está contida na linguagem, no comum, no bom senso e na religião, podemos dizer então que ela está presente em todas as dimensões da vida humana, sendo, portanto, familiar a todas as pessoas. Afinal, toda atividade humana, mesmo aquelas que são predominantemente práticas (as diversas formas de trabalho manual, por exemplo), é sempre acompanhada de um pensar, de um saber, em suma, de um trabalho intelectual, racional, reflexivo. É nesse sentido que podemos afirmar que “todos os homens e mulheres são ‘filósofos’”.

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